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| Selos de Angola |
Colecção de Selos, e o mundo que o bisavô Inácio me deu a conhecer
Hoje, dedico o meu blog ao meu "bisavô", e padrinho de casamento; Inácio
Rodrigues, que nasceu logo no início do século XX , na primeira semana de
Janeiro de 1900. A vida , tem maneiras de nos oferecer presentes preciosos. Eu,
recebi um desses presentes. Num dia tive de presente um “bisavô". O meu bisavô,
era um homem grande, muito grande mesmo! Tinha mãos grandes, pés grandes, era
bochechudo, e até cabelos brancos ralos que despontavam á volta de um carequinha
brilhante. Era também muito pachorrento, nunca o vi nas corridas e acima de tudo
era muito paciente comigo, criança muito viva e activa com bichos de carpinteiro
… A primeira vez que o vi, senti-me ainda mais pequenina do que eu era. Devo
dizer, que fiquei mesmo, um pouco intimidada, mas, ao mesmo tempo senti que nos
íamos dar muito bem. Meu bisavô estava viúvo e vivia na altura em casa da
filha.( A terceira avó que eu ganhei na minha vida. Mas essa história linda da
minha terceira avó vou contar noutro.) O facto é que, perdida e achada estava na
casa daqueles avós. Lá em casa, acordávamos com as galinhas, como dizia minha
avó. Meu avô Ivens, saía para a oficina muito cedinho. Antes de ele sair,
tomávamos o mata-bicho juntos. Depois, eu e minha avó íamos para o quintal
tender a horta, e, as flores lindas que havia naquele imenso jardim. Dali a uma
hora, minha avó dizia-me:
"Tenho que ir, o meu paizinho já deve estar levantado . Vou prepar-lhe o
mata-bicho." Gostava muito de a ouvir chamar “paizinho” aquele homenzarrão, já
século. Era muito doce.
Eu ficava a cabriolar no jardim, e, dali a pouco ia para dentro de casa para
ir ver os selos do “avô” Inácio ( todos os primos diziam avô e eu dizia avô
também ) . Subia as escadas do quintal a correr . A avó estava normalmente na
cozinha a destinar o almoço.
"Então miúda, já te cansaste de brincar? Onde vais a correr?" - perguntava a
minha avó.
"O avô já matabichou ?" - respondia eu rapidinho e sem parar.
"Já pois. Faz tempo! Está como de costume, de roda dos selos. Se fores para ao
pé dele tem cuidado não lhe dês cabo dos selos nem dos miolos. E olha as mãos.
Tambula conta com tua vida."- dizia-me minha avó com aqueles olhos que riam .
E sorriamos as duas como compinchas. "Eu sei". - dizia baixinho como se fosse
um segredo. "Ele deixa-me ajudar." - respondia eu, toda convencida das minhas
habilidades filatélicas. E continuava, directinha ao quarto de banho, lavar
muito bem as mãos, com sabão LifeBoy, tirar a areia das unhas, com a
escovinha, e, ter a certeza que ficavam bem limpinhas. Gostava muito do
cheirinho daquele sabonete cor de rosa. Depois de limpar muito bem com a
toalha, ia toda contente ter com o bisavô Inácio. Encontrava-o, sempre sentado
na secretária, com muitos envelopes com selos . Uns cheios de selos , outros
envelopes com selos colados que ele com muito cuidado molhava para descolar os
selinhos. Alguns eram muito coloridos e tão bonitos.
"Olá avô. Bom dia. Dormiu bem?" - Dava-lhe um beijinho e ficava ali á espera
de ouvir ele dizer alguma coisa. È que ás vezes, ele estava tão enfronhado nos
selos, que nem respondia. Só quando lhe dava o beijinho dizia:
"Olá miúda estás aqui? Queres ajudar ?" - perguntava pachorrentamente.
"Quero pois. Já lavei as mãos." - e estendia as mãos que ele inspecionava para
assegurar que eu mexer nos preciosos selos. Depois, com uma paciência de Jó,
tornava a repetir para mim como se tiravam os selos colados ao papel sem os
estragar, como a serrinha a volta dos selos não pudia ser cortada , como era
imprescindível fazer tudo muito devagarinho, para conseguirmos ter os selos
impecáveis. Eu ficava ali a olhar para ele inquieta para pegar nos selos. Por
fim, lá me deixava pegar nos selos. Dava-me para a mão os mais fáceis. Toda
contente , e orgulhosa por me deixar ajudar, tirava os selos com muito cuidado
e muito lentamente e ia olhando para ele a ver se estava a fazer bem. Ele
caladinho olhava para ter a certeza que não lhe dava cabo dos selos. Sem dar
por mim, aprendia, que estar entretida, nāo era só pular e brincar . Era
também fazer coisas assim, que nos ensinavam a descobrir um mundo
desconhecido. O avô, Inácio, tinha uma colecção impressionante de selos.
Adorava, estar sentada ao lado dele, e ouvi-lo entusiasmado a mostrar os selos
de várias partes do mundo; Angola, Moçambique, Guiné, São Tomé, Açores,
Madeira, Portugal e até Timor… e tinha também de tantos outros países do mundo
até da Austrália.
"Como é que arranja estes selos todos ?" - perguntava curiosa.
"Olha o teu pai é um dos que me arranja muitos.A companhia dele tem negócios
com muitos países. Mas eu tenho muitos amigos e conhecidos e todos contribuem
para esta coleção."
"Então tem muitos amigos, não é?" - continuava eu toda perguntadora.
"Sim, amigos e conhecidos, e escrevo e recebo muitas cartas." - dizia ele a
sorrir.
" Eu também tenho muitos amigos". dizia eu toda contente.
O mundo abria-se para mim, ali,naqueles momentos,com o meu avô e através
daqueles pequeninos quadradinhos de papel, com imagens de pássaros, animais,
pessoas, mapas, pedras preciosas, enfim. E as horas passavam, sem darmos por
ela .Sem dar por ela, eu, aprendia muitas lições a ao mesmo tempo. O que
aprendi naquelas manhãs, com o meu bisavô, só anos mais tarde, me apercebi,
terem sido lições de organização e paciência, liçoēs se comunidade, de
amizade, de geografia do mundo, que me ajudaram ao longo da minha vida. Hoje,
na minha reforma,sinto que aprendi com ele quanto importante é, termos amigos,
termos uma comunidade, e termos algo que gostamos de fazer para nos preencher
os muitos momentos de vácuo, que o vácuo de não termos um emprego nos deixa.
Obrigada querido bisavô e padrinho. Foste, e és ainda, um presente precioso
que recebi. VS Smile



As memórias carregam a vida. Escrever liberta os sonhos vividos. A ternura de criança em palavras . Gostei.
ReplyDeleteMuito obrigada pelo comentário. Bem Haja.
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